Relato e Impressões de um Encontro em Junho de 1998

Relato do Encontro dos Ex-alunos em 20 de junho de 1998:

Sábado, 20 de junho de 1998, à noite.

Estou em casa, em Campinas. Faz algumas horas que voltei de mais um encontro dos Manuelinos em Jandira. Geralmente sinto-me muito cansado depois desses encontros: as emoções, quando exercitadas, podem também nos deixar exaustos. O coração vai ficando apertado, parece que se torna pequeno para conter as emoções. É um pouco assim que ainda me sinto. Para complicar ainda mais a situação, os sentimentos, hoje, foram um pouco desencontrados: de um lado, a alegria de encontrar amigos, velhos e novos; de outro, a tristeza de ver a “selva de pedra”, as quase-favelas, os semi-cortiços, as fábricas abandonadas, que hoje se levantam em locais outrora quase sagrados.

Cheguei cedo a Jandira hoje. Não planejei isso – embora, sendo filho de mineiro, quase sempre chegue antes. Eram 8 horas e já estava no JMC. Ninguém lá. Aproveitei o tempo para rodar um pouco pela cidade. Fui primeiro até à Figueira, que havia visitado apenas uma vez enquanto estive no JMC. Pude vê-la de longe, do centrinho da cidade, em meio a um monte de casas. Fui virando nas esquinas esquisitas de ruas tortas e acabei por encontrar a Figueira — razoavelmente bem preservada, apesar de que, pelo que consta, alguns vândalos atearam fogo a ela algum tempo atrás. Foi preciso chamar técnicos do IPT (Instituto de Pesquisa Tecnológica) para restaurá-la. Pela aparência, fizeram um bom trabalho. Detrás de uma cerca de ferro (que, entretanto, tem portão sem cadeado), ela não estava tão viçosa, talvez por causa da época do ano. Perguntei a algumas pessoas que estavam por ali se ela ficava bonita na Primavera e no Verão e eles disseram que sim. Isso já me confortou um pouco.

A Figueira fica hoje numa praça que se chama, com muito pouco originalidade, “Praça do Figueirão”. Segundo as mesmas pessoas, que ali estavam jogando conversa fora às 8 da manhã, este é o nome oficial da praça, não é apelido. Acho pouco provável que não tenham ainda encontrado um político local para emprestar seu nome à praça, adornando com ele uma eventual placa, hoje inexistente. Mas, de qualquer forma, achei engraçado que, para os Manuelinos, a árvore seja “a Figueira”, assim, no feminino. Mantida a falta de originalidade, preservado o gênero original, e acrescentado o grau aumentativo, a praça deveria chamar-se hoje “Praça da Figueirona”. Mas nem Figueirão nem Figueirona soa bem: pessoalmente prefiro simplesmente “Praça da Figueira”.

A praça, em si, achei-a muito feia, horrível mesmo: no máximo uns 100 m2 de cimento, talvez nem isso, com uns bancos de concreto e a bandeira do Brasil pintada no chão (em honra à Copa do Mundo). Deviam pelo menos ter reservado mais espaço à árvore que hoje é símbolo de nossa Associação. Provavelmente não foram Manuelinos os que lhe destinaram espaço tão minguado e tão pouco romântico. O lugar pitoresco em que a Figueira se localizava hoje ficou feio, cheio de casas grudadinhas, muitas não terminadas, com 2 ou 3 andares, de tijolo baiano à vista, descendo morro abaixo em ladeiras íngremes. O lugar não inspira. Não me parece que casais apaixonados namorem ali, nem que tentem eternizar no tronco da figueira amiga o romance que os une.

Por falar em morros e ladeiras íngremes, não me recordava de que a topografia de Jandira fosse assim tão acidentada, tão cheia de altos e baixos. Mas a visita à Figueira fez com que as emoções acompanhassem a topografia, com altos e baixos.

Procurei também o que, pelo menos para nós (então) rapazes, era outro símbolo, a Casa das Moças, mas em vão. Ela parece ter simplesmente desaparecido, junto com as casas dos professores e do zelador que ficavam além do Jordão. Várias fábricas estão no local em que a Casa das Moças ficava, algumas delas totalmente abandonadas, com vidros quebrados e mato crescendo por todo lado. Provavelmente se tornaram esconderijos de marginais. Da romântica ponte sobre o Rio Jordão nada resta. As frondosas árvores que emolduravam a casa sumiram com ela.

Margeando o Jordão há, do lado da Casa das Moças, uma estradinha de terra, pela qual me aventurei, mas tive que recuar – barro, lixo e entulho impediam a passagem. Consegui achar um caminho asfaltado que passa por trás de onde ficaria a Casa das Moças, estivesse ela ainda lá, e cheguei a um bairro muito pobre de Jandira, chamado Jardim Márcia. Tudo muito feio e sem o romantismo de outrora.

No caminho para a cidade, indo pelo que um dia foi a estradinha que levava ao campo de futebol, localizei as casas do Diretor e dos professores, que estão hoje sendo usadas pela Prefeitura. Numa delas tive aulas de Inglês com Dona Margarida Landes. O que restou das casas foi drasticamente alterado, a fachada virtualmente removida, os tijolinhos pintados de branco. As casas não possuem recuo nenhum – ficam à beira da calçada de uma rua bastante movimentada que passa ao lado da Rodoviária, que, por sua vez, fica atrás da Estação da antiga Sorocabana, hoje FEPASA. Onde ficava o campo de futebol há uma praça. Mas é difícil precisar a localização das coisas antigas.

Não há mais passagem de nível sobre a linha férrea. Construíram, desde a última vez que estive em lá, um viaduto sobre a linha do trem, que recebeu o nome de Viaduto Instituto José Manuel da Conceição. O nome é mais do que apropriado porque, afinal, a parte mais alta do viaduto passa exatamente em cima de onde ficava o portão de entrada, que ostentava o querido letreiro designando a escola. O viaduto se inicia ali abaixo da antiga quadra de basquete, onde passava a já mencionada estradinha que levava ao campo de futebol, e vai subindo: passa bem na entrada da escola, atravessa a linha, faz uma curva para a esquerda (de quem está indo do centro da cidade para o lado oposto da linha) e começa a descer para desembocar já adiante da estação do trem. Seguindo reto, ao sair do viaduto, chega-se ao trevo de Jandira, na Castelo Branco, uns três quilômetros à frente. Do trevo se pode ir para Itapevi, Cotia e Aldeia da Serra (ou, naturalmente, pegar a Castelo Branco).

Margeando a linha do trem, bem no rumo do JMC, há uma estrada de duas pistas ligando a estação de Jandira à estação de Barueri. Na estrada há um hospital, no alto do morro, com acesso difícil. Passando por trás do Auditório Waddell (hoje Luiz Gonzaga), há outra estrada, que também leva à estação de Barueri, juntando-se à primeira já no centro desta cidade. Nessa estrada há uma enorme escola do SENAI, tão vizinha do JMC que parece ter sido construída em terreno outrora manuelino. Não é impossível. Por qualquer das duas estradas em um minuto, de carro, se chega a Barueri. Na minha lembrança Barueri era muito mais longe. Rodei um pouco pela cidade. Minha única lembrança de Barueri é que foi lá que tirei meu Certificado de Reservista de Terceira Categoria, dispensado de servir o exército no final de 1963, por excesso de contingente. Olhando, em retrospectiva, o que aconteceu poucos meses depois, em Março/Abril de 1964, a dispensa do serviço militar talvez tenha sido uma das melhores coisas que me ocorreram: poderia ter estado a serviço do exércido no momento da Revolução.

De qualquer forma, de Jandira tinha memórias melhores. Voltei para lá.

Tomando agora a direção oposta, fui até Itapevi, por uma rua de trânsito complicado. Bem mais perto do que imaginava, também – mas muito morro, muita lombada (quebra-mola), pouco lugar bonito. A Jandira de 40 anos atrás era bem mais pitoresca – pelo menos na memória. Teria valido a pena ficar só com as imagens da Jandira antiga, que habitam a memória? Será que, daqui em frente, quando pensar em Jandira, serão essas imagens feias que me virão à mente? Dizem que quando a gente vai ficando velho se lembra mais fácil de episódios antigos do que de recentes. Espero que, no caso de Jandira, a regra não abra exceções.

Dentro do “campus” o antigo Quarteirão Teixeira parece mais cortiço ou favela do que local habitável – embora more gente lá. Aquele quarteirão onde se faziam cultos e havia a sala de estudos está razoavelmente bem preservado: é ele que estamos solicitando em comodato à Prefeitura de Jandira. O Edifício Harper está pintado, mas foi muito modificado por dentro. O soalho precisa ser substituído, pois dá uma desagradável sensação de que vai afundar quando a gente anda. No prédio fechado há um inconfundível cheiro de mofo. Lá funcionam vários órgãos da Prefeitura. O Auditório Waddell ganhou uma frente nova, que comporta salas adicionais, onde, aparentemente, funciona a Secretaria da Cultura. A Câmara Municipal, em cujo auditório nos reunimos, fica onde se localizava o refeitório, as alas de quartos que o ladeavam e o QG. O prédio pelo jeito é novo — devem ter demolido os prédios antigos.

O lado bom de tudo é que ao encontro, propriamente dito, compareceram 42 ex-alunos, alguns acompanhados de membros da família. Adiante dou a lista dos nomes. As classes de 45 a 52 foram as mais bem representadas, porque eram do tempo do Takashi e ele fez mais de 100 ligações convocando o pessoal que ele conhece. Se todos tivéssemos feito o mesmo, haveria centenas de pessoas lá.

A reunião foi boa. Conduzi os trabalhos, a pedido do Takashi, e o Gerson Correia Lacerda, um dos pastores da Igreja Presbiteriana de Osasco, fez o devocional. Abri o encontro falando um pouco sobre memória – transcrevo o texto também a seguir. Cantamos o Hino do JMC, Tuas Obras Te Coroam, e a Bênção Araônica. Esta ficou tão bonita, regida pelo Elias Medeiros, que resolvemos cantá-la de novo.

O Takashi mostrou a todos a bandeira do JMC que ele mandou confeccionar com recursos de uma doação feita por Roy Jr e Annabel Harper, filhos do casal Harper. A bandeira estava linda, em suas cores branca, verde e vermelha, com a Cruz de Malta no meio. Todos ficamos gratos aos Harpers e ao Takashi pelo resgate de mais um símbolo.

Uma coisa ficou clara quando da discussão de questões práticas: os Manuelinos querem saber por que o JMC foi fechado e o que aconteceu com a propriedade. Está claro que parte da propriedade foi desapropriada pela Prefeitura. O que não está claro é se a Prefeitura pagou pelo que ela desapropriou ou, se pagou, o que foi feito com o dinheiro. Também está claro que boa parte da propriedade foi vendida para particulares (como, por exemplo, as fábricas que hoje se localizam do lado da Casa das Moças). O que não está claro é por que isto foi feito e o que se fez do dinheiro. Parece que uma parte da propriedade ainda pertence à Fundação Educacional Presbiteriana. Outra coisa que desperta a curiosidade dos Manuelinos é por que foi criado um Seminário com exatamente o mesmo nome do Instituto: haveria algum benefício previsto para uma instituição chamada “José Manuel da Conceição” em algum documento (como, por exemplo, Estatutos do Instituto Mackenzie), que os Manuelinos desconhecem?

O que provocou acalorada discussão foi o fato de que, segundo alguns, a Igreja Presbiteriana, através de seus vários órgãos e líderes, não parece ter interesse em revelar o que aconteceu, dando aos fatos a transparência que merecem. Contatos com representantes da Fundação Educacional Presbiteriana têm se revelado infrutíferos e correspondência enviada a líderes a Igreja, até mesmo ao Rev. Guilhermino Cunha, Presidente do Supremo Concílio (e que foi meu colega em Pittsburgh), não têm sequer merecido resposta. Aqueles Manuelinos que ainda militam dentro da Igreja Presbiteriana do Brasil tendem a dar um crédito, ou, pelo menos, o benefício da dúvida, à Igreja e aos seus líderes, afirmando que estes não devem ter nada a esconder. Mas incumbe-lhes, pela posição que ocupam, ou assim nos parece, aos outros, ajudar-nos a entender o que se passou.

Enfim, terminada a discussão e concluídos os trabalhos planejados cantamos “Teus Lindos Olhos”. Os olhos de muita gente ficaram cheios de lágrimas. Em seguida fomos almoçar num restaurante da cidade, onde a feijoada estava excelente, acompanhada que foi de laranjas trazidas pelo Waldir Rickli de Prudentópolis, no Paraná (perto de Guarapuava). Lá pelas 15 h todo mundo estava indo embora, e eu voltei para Campinas passando por Santana do Parnaíba para chegar à Anhangüera. Mais cenários deprimentes.

Muitos colegas que regularmente comparecem aos encontros faltaram. Por outro lado, tivemos aqueles que compareceram pela primeira vez, como o Rev. Samuel José de Paula (1949-1951), que não só foi mas levou a mulher, filhos, nora, e netos. O Rev. Samuel mora em Santa Bárbara d’Oeste, SP. Seu filho, Samuel Jr, que estava lá, e que é pastor em Sumaré, SP, deixou hoje à noite uma mensagem no site do JMC. Outros presentes (deixando de lado os títulos): Takashi Shimizu, João Rhonaldo de Andrade, Sueli Barbosa Cavalcanti Jardim, Josué e Isva Xavier, Lucila Guimarães (que regeu o grupo em dois hinos), Lucy Guimarães (que apresentou relatório sobre o andamento das tratativas com a Prefeitura de Jandira e com a Igreja Presbiterana), Adhemar Godoy e senhora, Olson Pemberton e senhora, Elias Marques Ferreira, Alírio Camillo, Dalila Alcântara Fernandes (que tocou teclado, acompanhando os hinos), Oscar Ciola, Pedro Okada, Loyde Faustini, Martha Faustini Egg, Dirce Pacheco, Daniel Veriano Raquel, Waldir Rickli e vários membros da família, Renato e Helena Salum, Jairo Jacó, Amauri Randolli, Gerson Correia Lacerda (que conduziu o devocional), Israel José Nunes, Renée Myriam de Camargo Lucarelli, Felícia Ribeiro, Eunice Costa, Elias Moreira (que regeu a Bênção Araônica e nos acompanhou ao teclado, de ouvido, quando cantamos “Teus Lindos Olhos”), J. Calixto Silva, João de Souza Carvalho (“Coutinho”) e Márcia, sua mulher, também Manuelina, Oswaldo Pinho Monteiro, Roseli e Eunice, filhas do Sr. João e Dona Romilda, acompanhadas de membros das famílias, Rute Arce (com fotos da família!), Ney da Costa Carvalho, Ezequiel Ruperti e senhora, Enil Alves e senhora, Célia Morais Profeta, e eu. Quarenta e dois Manuelinos ao todo. Se porventura deixei de fora o nome de algum Manuelino, peço, além de desculpas, que me informem para que corrija.

No encontro foi distribuído mais um número do nosso boletim, que já está quase totalmente on-line, visto que contém a biografia dos Harpers, escrita pelos filhos, e o meu relato do culto de 7 de Fevereiro.

Para concluir, incluo aqui o texto que serviu de base para minhas palavras de boas vindas aos participantes do encontro. Se precisasse de um título, eu o chamaria de “Identidade e Memória”. Parte do texto é retirada de uma versão preliminar de minha autobiografia, que lentamente começa a ganhar corpo, com o título provisório de “Pedaços de Mim Mesmo”.

Queridos Manuelinos:

O Takashi me pediu para coordenar os trabalhos aqui hoje (20/6), neste nosso encontro anual em Jandira. O Gerson Lacerda se responsabilizará pela parte devocional, nós vamos cantar e vamos discutir algumas coisas práticas. Mas eu não poderia deixar de iniciar esta reunião fazendo algumas reflexões com vocês. Parte do que vou dizer já disse antes. Outra parte foi se cristalizando na minha mente à medida que pensava em algo interessante para dizer aqui hoje. Sou filósofo. Por isso minhas reflexões não deixarão de ter um tom meio filosófico.

John Locke, filósofo inglês do século XVII, defendeu a tese de que nossa identidade pessoal é totalmente dependente de nossa memória. Ele argumentou de várias formas em defesa dessa tese. Mas, no fundo, ele achava que a tese era bastante auto-evidente. Ele propôs o seguinte “experimento teórico” aos seus leitores. Imaginemos que numa determinada cidade vivam um príncipe e um sapateiro. Eles nunca se encontraram e não se conhecem. Uma bela amanhã, entretanto, o sapateiro acorda totalmente sem as suas memórias, mas com as memórias do príncipe, e diz: “O que estou fazendo aqui neste local imundo? E com essas roupas horríveis? Mordomo! Onde você está?” Nada de mordomo. “Rainha, onde você está?” Nada de rainha. No lugar dela aparece a mulher do sapateiro. O príncipe diz: “Quem é você? O que estou fazendo aqui? Onde está meu mordomo?” Etc. (Os diálogos estou inventando, não são de Locke). Por outro lado, o príncipe acorda totalmente sem as suas memórias, mas com as do sapateiro, e também desconhece o local em que está, sentindo-se perdido no palácio, querendo ir embora para sua casa na periferia da cidade. Segundo Locke, se isso acontecesse, nós sem dúvida diríamos que o príncipe e o sapateiro haviam trocado de identidade. Pura e simplesmente.

Há muito a favor da tese de Locke. Quando alguém tem amnésia total, em virtude algum acidente ou de alguma doença, passa, em um sentido importante do termo, a ser outra pessoa. Começa vida nova. Adquire nova identidade. Há um filme de Harrison Ford em que isso acontece com ele.

Também há um livro de ficção científica famoso, escrito por Robert Heinlein, em que se defende tese semelhante, I Will Fear no Evil (Não Temerei Mal Algum), em que o cérebro perfeitamente sadio de um velho cujo corpo era mantido vivo por instrumentos, e que era podre de rico, é transplantado para o corpo de uma linda moça, sua secretária. O autor gasta uma boa quantidade de páginas argumentando que o a pessoa que passou a existir no corpo da moça era o velho, que mudou de corpo – porque as memórias preservadas no cérebro transplantado eram as do velho, e, portanto, a identidade que permaneceu deveria ser a sua, a despeito do corpo.

Para que tanta discussão desse problema?

Porque acredito piamente que Locke estava certo e que é a memória a base da identidade pessoal. Na verdade, acredito que a memória é também a base da identidade de um povo ou de um grupo. É por isso que os Israelitas tinham que constantemente se lembrar de sua história. Preservar a sua história é manter a identidade de um povo ou de um grupo. Cultivar a memória é uma forma de manter a identidade em uma pessoa. Aquilo que eu esqueço deixa de ser parte de mim.

Algumas vezes no passado me perguntei se ainda era protestante. Hoje não tenho dúvida. O Rubem Alves me convenceu de que sou. Sou, porque fui. Sou, porque vividamente me lembro de ter sido. Ser protestante é parte de minha memória viva, e, portanto, uma parte inextricável de minha identidade.

Outras vezes no passado me dei conta de que ainda continuava amando as mulheres que amei. Hoje isso não me assusta, mais. Amo, porque amei. Amo, porque vividamente me lembro de tê-las amado. O amor que um dia senti de determinada forma é parte de minha memória viva, e, portanto, parte de minha identidade como pessoa, e, assim, ainda existe, ainda que não se expresse da mesma forma exterior.

Talvez essas considerações expliquem o que sinto pelo JMC – o que todos sentimos, acredito. Não gosto de me rotular, nem que me rotulem, de ex-Manuelino. Sou Manuelino até hoje. Sou, porque fui.

O que me causa espanto é que essa parece ser a experiência de todos os Manuelinos. Há uma surpreendente unanimidade entre os Manuelinos, que é o sentimento terno e carinhoso que mantêm pela escola. Basta olhar as mensagens deixadas no site. Uma vez Manuelino, sempre Manuelino. Somos Manuelinos, porque fomos. Somos, porque essa escola vive em nossa memória como uma das passagens mais importantes da nossa vida. Somos, porque é impossível que alguém realmente nos entenda hoje, num sentido profundo, sem entender o que essa escola significou para nós.

Lembro-me do que me contou o Dorival Xavier, no culto de 7/2/98. Disse-me que imprimiu minha vinheta sobre o JMC e fez cópias para seus filhos, dizendo: “Leiam isso aí, para que vocês saibam o que significa ser Manuelino”. Senti-me mais ou menos assim como deve ter se sentido o escritor sagrado, contando a história do povo de Israel, para que as novas gerações não perdessem a sua identidade.

A última turma a cursar o JMC o fez cerca de trinta anos atrás, em 1969. É possível que daqui a 50 anos não haja mais nenhum Manuelino vivo. A MENOS QUE ser Manuelino passe a ser mais um estado de espírito do que uma condição histórica. A MENOS QUE ser Manuelino passe a ser assim algo semelhante a ser Judeu, que mesmo sem ter nascido na Palestina, mesmo sem pátria, no exílio ou na diáspora, continuou a ser Judeu – porque se lembrava do Senhor seu Deus que o tirou da terra do Egito.

O nosso esforço com esta Associação, como eu disse na abertura do site do JMC na Internet, é não permitir que a memória do JMC se perca, é preservar a memória, e, portanto, preservar a identidade do Manuelino – e, de certo forma, dar continuidade à raça, mesmo que de forma virtual.

Hoje, com computadores, grande parte da nossa memória está armazenada não no nosso cérebro, mas em meios magnéticos. Nossos computadores hoje passam a fazer parte de nossa identidade. O mesmo se dá no caso do JMC. O site do JMC na Internet é indispensável para a continuidade da raça. Como é o museu. E muitas outras coisas.

Já resgatamos nosso hino. Hoje temos aqui nossa bandeira, de novo, num trabalho de resgate histórico fenomenal do Takashi. Depois teremos nossas camisetas, nossos agasalhos. Aos poucos vamos recuperando fotos, histórias, objetos. Essas coisas são importantes, contudo, apenas pelas memórias que elas evocam e representam.

A esperança, dizia um professor meu do Seminário de Pittsburgh, se fundamenta na memória. Nós somos o que fomos, é verdade – mas somos também o que desejamos e esperamos ser. Nós somos o resultado dessa mescla de lembranças e sonhos, recordações e desejos, memória e esperança. O povo de Israel confiava na vinda do Messias (tinha esperança) porque se lembrava de que, no passado, Deus havia estado ao lado do seu povo (porque tinha memória).

A memória, já temos. Precisamos agora trabalhar para dar corpo ao nosso sonho. É a parte mais difícil, porque a memória é aquilo que foi – mas o futuro está aberto, pode ser o que sonhamos, e os sonhos são muitos, e muitas vezes incompatíveis. Mas é preciso trabalhar para procurar definir um horizonte na direção do qual caminhar.

É por isso que estamos mais uma vez aqui. Bem-vindos a esse novo encontro dos Manuelinos.

Jandira, SP, 20 de Junho de 1998

Eduardo Chaves

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Transcrito aqui em 7 de Março de 2010

4 thoughts on “Relato e Impressões de um Encontro em Junho de 1998

  1. Sou Edmar, ( 65 a 70) estive agora no final do ano em Jandira, para rever com saudades o que pouco sobrou, daquela que foi e que continuará sendo a maior e melhor Escola deste país. Jamais surgirá no nosso país Escola como o querido J.M.C. Pra mim continua sendo uma sigla mágica.”J.M.C.” Lutei pra conseguir que a placa do meu carro fosse JMC, mais infelizmente não consegui. Preservados em termos só o prédio da Biblioteca, o prédio Waddell, o Harpper, com algumas avarias, o Teixeirão não mais existe, pessoas estranhas transitando…em fim… só tristeza. Cheguei a chorar. Bonito sim estava um grande coqueiro em frente ao Prédio Harpper, que eu gostava de catar coquinhos antes das aulas… deliciosos. Queridos Manuelinos, a memória daqueles lindos dias que vivemos, alí no Jota ela continua viva como nunca. Um grande abraço a todos.

    Edmar
    Brasília, 14 de Abril de 2014.

  2. Queridos manuelinos, (sou Edmar JMC 1965 a 1970) que bom termos esse espaço para colocar as nossas emoções, nossas saudades e nossas lembranças sobre aquele que foi num passado um tanto quanto distante, mais em nossas memórias parece que foi ontem. Muitas vezes fecho os olhos e vejo detalhes de tudo o que vivi alí no JMC. Por exemplo, lembro-me que todos os dias depois do chá com pão e manteiga das 15 hs eu tinha um compromisso com a D. Margarida Landes e o Rev. Fillippe Landes em sua casa; eu ia molhar, aguar o seu jardim com flores maravilhosas, rosas vermelhas e brancas. Quando terminava eu batia na porta da cozinha e ela vinha com um lanchinho, bolachas, biscoitos, mais isso era todos os dias!!! São coisas que não saem da memória. Queridos gostaria de dizer aos amigos, que os Manuelinos Almir Pereira e Leci Avelar, que todos devem conhecer e moram o Leci no sul de Minas e o Almir a 50 km da cidade de Sete Lagoas, próximo a B. Horizonte, estão organizando já o ano passado fizeram um encontro e compareceram quase 50 manuelinos e este ano estão programando outro encontro, que será em setembro no interior de S. Paulo, talvez na região de Tatui. Fiquemos atentos. O Almir é casado com a também manuelina Jacira, quem não lembra da Jacira?

    Estive agora no início de janeiro em Jandira, até que fiquei com o coração bem mais aliviado. O Harpper, fizeram uma boa reforma, derrubaram a casa do Rev. Machadinho, construiram um novo prédio e alí funciona hoje uma Faculdade do Estado FATEC o Waddell está bem conservado, os prédios mais recentes que eram os internatos feminino e masculino atras e ao lado do Waddell hoje funcionam um hospital e o outro um centro de saúde. O Teixeirão está totalmente abandonado fiquei triste, mais o bloco onde funcionavam salas de aulas e a biblioteca está bem conservado e hoje funciona alí um Centro de Convivência de Idosos. A casa onde morava o Rev. Olson Pêmberton e a casa do Rev. Walter Guize funcionam repartições de Prefeitura. Fiquem tos com com Deus. Isso é ser manuelino é um estado de espírito!!!!

    Edmar

  3. Obrigado, Edmar, pelos dois comentários. Fico contente em saber que a aparência daquilo que um dia foi o JMC está melhor. Continue deixando notícias. Um abraço.

    Eduardo Chaves

  4. Queridos Manuelinos, mais uma vez, sou Edmar |( J.M.C. 1965 a 1970) Venho com muita tristeza anunciar o falecimento de um manuelino que amava o JMC, o Rev. Benedito Antonio dos Santos, ele faleceu no domingo dia 25/01/2015 na cidade de S. Paulo, era tio da minha esposa Irene e havia completado 89 anos. Pastoreou várias igrejas, IPI do Tucuruví, IPI Vila Sabrina, IPI do Parque Edú Chaves, IPI Cornélio Procópio – Pr e tantas outras, vida ativa com Deus. Estudou no JMC 1954 a 1958 + ou -. Conversando com ele me disse que ele era responsável pelo gerador do Colégio, pois naquela época não havia luz elétrica. A Luz chegava aos quartos as 18 h e era desligada as 21 h. Foi contemporâneo do Rev. Silas Silveira, que também convalesce de uma cirurgia realizada em Campinas. Grande cabeça !!! Pastor e Jurista dos melhores, foi vice presidente da Assembléia Geral na gestão do Rev. Acir Pereira, completou 84 anos, pastor emérito das nossas igrejas no DF (primeira IPI do DF, IPI Central de Brasília, IPI do Cruzeiro-DF na qual eu sou Presbítero). Ele mora em Limeira-SP onde foi pastor também da primeira IPI de Limeira e peço orações pelo Rev. Silas. Que pena, temos um manuelino a menos. Mais ser Manuelino é um estado de espírito. Gostaria de encontrar e comunicar com o meu grande amigo do JMC, colega de quarto, de sala o Paulo Cesar da Silva Rodrigues o CAVEIRINHA ele era primo do Caveirão bom de bola era o craque do Jota de 65 a 68. Fiquem todos com Deus.
    Edmar.

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